Luanda - Acompanhei de perto as duas cimeiras mais recentes do G-20, em Johannesburg, e de Luanda, União Africana e União Europeia. Notei que, nas duas cimeiras, o tema central que chamou a maior atenção foi o unilateralismo versus o multilateralismo, no contexto da geopolítica mundial. Como sabemos, em termos concretos, o multilateralismo significa, vários países do mundo, a nível bilateral ou multilateral, devem cooperar para que em conjunto sejam alcançados determinados objetivos de interesse comum.
Fonte: Club-k.net
Ao passo que, o unilateralismo manifesta-se através de actos arbitrários, unilaterais e militaristas, que ignoram o diálogo, a concertação, a colaboração, o consenso, o entendimento mútuo, a legalidade e a cooperação entre os Estados e as Organizações Multilaterais na Resolução dos conflitos ou na tomada de decisões importantes, de interesse comum. Noutras palavras, o unilateralismo apoia-se essencialmente na lei da selva, na grandeza, na prepotência e na superioridade económica, tecnológica, científica e militar. Enfim, o unilateralismo desrespeita e viola flagrantemente a Carta das Nações Unidas, fundada no Direito Internacional.
Nas duas cimeiras acima referidas o Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, insistiu nas suas alertas veementes sobre o perigo iminente do unilateralismo das superpotências mundiais que visam acabar com o multilateralismo, impondo uma nova ordem mundial, assente na supremacia militar e na prepotência, ignorando a Carta das Nações Unidas que salvaguarda os princípios sagrados da soberania, da igualdade, da integridade territorial, da autodeterminação e da coexistência pacífica.
O fundo da questão reside no facto de que, a postura unilateralista das superpotências tem como a base estratégica a reconfiguração do mundo em esferas de influências. Nota-se quatro Eixos distintos, nomeadamente: o Eixo das duas Américas, que ficarão sob o domínio de Washington. O Eixo da Rússia e da Europa, que estarão sob a tutela de Moscovo. O Eixo da Indochina, sob o controlo de Beijing.
O Oriente Médio e a África são dois Eixos classificados de serem zonas de disputas entre as três Superpotências. As características geográficas destas regiões extensas, as vias marítimas, e a abundância dos seus recursos minerais estratégicos e críticos, coloca-lhes na condição de «zonas de disputas permanentes» das três superpotências. Por sinal, a este respeito, deve existir uma visão comum (por enquanto) entre as três Superpotências, e sobretudo, em relação à África.
Todavia, o contexto desta região, acima referida, é muito complexo e dinâmico, na sua conjuntura geopolítica. Pois, as três superpotências estão bem posicionadas nestas duas regiões, em competição renhida, em diversos domínios, tais como: na busca de parcerias estratégicas; na diplomacia económica; no intercâmbio comercial; no acesso aos recursos minerais; nos investimentos em sectores estratégicos; no sistema bancário; na transferência tecnológica e know-how; na segurança marítima; e na cooperação militar.
Em termos concretos, a Rússia está bem posicionada no Sahel. Os EUA ganharam a primazia no Médio Oriente com a queda do regime do Bashar al-Assad, da Síria, que culminou com a desarticulação da influência militar da Rússia no Iraque, na Síria, no Líbano e no Mar Mediterrâneo. A China continua a manter intacta a sua implantação económica na África Subsaariana. A presença da China no Médio Oriente é discreta, crescente e estratégica.
Importa realçar o facto de que, neste xadrez complexo da geopolítica mundial, o Corredor do Lobito afigura-se como o epicentro da disputa entre a Europa e as três superpotências mundiais. Os minerais críticos da RDC e da Zâmbia fazem com que o Corredor do Lobito ganhe a primazia estratégica na África Subsaariana.
Repare que, o Caminho de Ferro de Benguela atravessa o interior da África, ligando ao Caminho de Ferro da Tanzânia e ao Porto de Dar-es-Salam. Além disso, o CFB tem igualmente a conexão (por via da Zâmbia) ao Corredor de Beira e aos Caminhos de Ferros da África do Sul que ligam aos portos sul-africanos, dando acesso aos oceanos índico e atlântico. Isso estabelece uma rede vasta de infraestruturas ferroviárias.
Por isso, o posicionamento da África do Sul e de Angola, face ao contexto da geopolítica mundial, chama atenção especial das superpotências mundiais. Por exemplo, a presença da África do Sul nos BRICS, preocupa imenso os EUA. Ao passo que, a viragem disfarçada de Angola aos EUA, ofendeu a Rússia e abalou a China. Aliás, no final da guerra civil angolana foi a China que entrou com investimentos massivos na reabilitação do porto de Lobito e do Caminho de Ferro de Benguela. Ao passo que, foi a União Soviética (Rússia) que colocou o MPLA no Poder em 1975, e que, sustentou o seu poder autocrático durante os 50 anos da independência.
Na Política de um Estado isso tem relevância na geopolítica mundial, e as consequências são imprevisíveis, sobretudo na época contemporânea do unilateralismo. Seja qual for, prevê-se o surgimento de dois Polos de influências na África Austral entre Pretoria e Luanda – com alianças estratégicas opostas.
Como é de costume, a China conduz a política de «não-intervenção», que assenta na coexistência pacífica, defendendo os seus interesses através da diplomacia subtil, silenciosa e discreta, sem envolver-se em conflitos. Só que, neste momento, a China constitui o principal adversário dos EUA na busca da supremacia mundial e do controlo dos recursos minerais críticos. Portanto, pela presença enorme das empresas chinesas no mercado angolano, o xadrez geopolítico do país ganha uma dimensão muito complexa e delicada.
Portanto, as démarches da União Europeia em África têm uma lógica estratégica, se ter em consideração a postura unilateralista da Casa Branca e do Kremlin face à Europa. Existe o alinhamento estratégico entre Washington e Moscovo sobre a Ucrânia, sobre a OTAN e sobre a União Europeia.
Na minha análise pessoal, nesta conjuntura do unilateralismo, existem interesses estratégicos comuns entre a África e a Europa. Pois, nesta fase critica, a Europa precisa da África e dos seus recursos naturais para sobreviver. Da mesma forma, a África precisa igualmente da Europa para defender-se melhor, industrializar a sua economia e alcançar as novas tecnologias.Através do fórum das Nações Unidas uma Parceria Estratégica entre a África e a Europa, em conjunto com a América do Sul e com a Asia, será mais viável reestruturar o Conselho de Segurança das Nações Unidas. É neste contexto que eu percebi a Mensagem do Secretário-geral das Naçoes Unidas na sua intervenção no G-20, em Johannesburg, e no seu informe na Cimeira de Luanda, entre a União Africana e a União Europeia.
Deste modo, acredito que, será possível travar o Unilateralismo que visa desagregar a Ordem Multilateral. Como tal, impor a lei da selva. Nesta luta titânica, a China é o «aliado mais credível» contra o Unilateralismo do Moscovo e de Washington.
Como ponto de observação, as iniciativas africanas, por mais lindas que sejam, não têm a dimensão continental, de promover os interesses legítimos dos povos africanos. Pelo contrário, elas estão viradas essencialmente para a manutenção do poder político, projetar falsamente as imagens dos regimes autoritários e ocultar a má governação, a corrupção, o enriquecimento ilícito, a fome e a pobreza extrema que assolam o Continente Africano.
Luanda, 27 de Novembro de 2025.