Luanda - Introdução: A Cimeira União Africana–União Europeia realizada em Luanda concluiu com a chamada Declaração de Luanda, que reafirma temas centrais: comércio livre, migração regular, gestão da dívida, reforma das instituições globais, segurança, energia verde e modernização da saúde.
Fonte: Club-k.net
Contudo, apesar das intenções positivas, cresce na arena internacional a perceção de que a Europa já não representa, em vários domínios, a potência dominante que outrora foi, e que a dependência africana do eixo europeu limita o potencial de crescimento, industrialização, autonomia tecnológica e projeção geoestratégica.
Angola, como economia emergente e ator regional de peso, está bem posicionada para liderar uma nova visão africana baseada na diversificação de parceiros, abertura multilateral e pragmatismo económico.
1. A Declaração de Luanda: Aspirações Altas, Entregas LimitadasA Declaração reforça compromissos em:
Comércio livre e migração regular; Reformas da OMC, do Conselho de Segurança da ONU e da arquitetura financeira mundial; Energia verde e eletrificação para 100 milhões de africanos até 2030; Combate ao terrorismo e crime organizado; Reconhecimento da crise da dívida e desafios de liquidez dos países africanos.
Apesar disso, a UE não apresentou soluções financeiras estruturantes para a dívida africana nem compromissos vinculativos sobre industrialização no continente. A mensagem repetiu-se: cooperação, mas dentro dos limites dos interesses estratégicos europeus. Isto contrasta com a nova dinâmica global, onde outras potências a China, Índia, Turquia, EAU, Qatar, Rússia e Brasil oferecem modelos alternativos de parceria, muitas vezes mais pragmáticos e orientados para a infraestrutura, energia, tecnologia e financiamento direto.
2. A Europa Deixou de Ser a Via Mais Vantajosa?Sim — e os dados mostram isso.
2.1. O declínio económico relativo da Europa
Em 1990, a UE representava mais de 30% do PIB mundial.
Em 2024, representa menos de 15%.
A taxa média de crescimento da UE nos últimos 10 anos é inferior a 1,7% — muito abaixo de China (5%), Índia (7%), Indonésia (5%), Vietname (6%) e países africanos bem geridos como Ruanda ou Tanzânia (5%+).
2.2. Indústria e tecnologia: Europa ficou para trás Europa deixou de liderar setores chave: semicondutores, veículos elétricos, inteligência artificial, telecomunicações, 5G, baterias, drones, biotecnologia.
China controla 70% da capacidade global de baterias e 80% do processamento de minerais críticos.Índia é hoje um dos maiores centros mundiais de TI e farmacêuticas genéricas.
Turquia tornou-se um dos maiores fabricantes de drones militares do mundo (Bayraktar).
A UE mantém poder regulatório, mas perde aceleradamente poder produtivo e industrial.
2.3. Energia: Europa é dependente
Após a crise Rússia–Ucrânia, a Europa passou a pagar a energia mais cara do mundo industrializado, influenciando:
Recessão repetidaEncerramento de fábricasQueda da competitividadeComo parceiro económico, a UE está hoje mais focada em regulação e serviços do que em investimento industrial massivo — algo que África necessita urgentemente.
3. Países que Não Dependem da União Europeia e Estão Melhores3.1. Emirados Árabes UnidosCrescimento médio de 4–5% ao anoDiversificação económica aceleradaParcerias com China, Índia, ASEAN, EUA, sem alinhamento rígido com a UE
3.2. SingapuraUma das maiores economias per capita do mundoEstratégia: neutralidade geopolítica + abertura a todas as potênciasRelação mínima com a UE, foco em ASEAN, EUA e China
3.3. ChinaCrescimento exponencial sem depender da EuropaTransformou-se na segunda potência mundial por meio de autonomia estratégicaInvestimentos maciços em África com retorno concreto (estradas, portos, barragens)
3.4. ÍndiaSuperou o Reino Unido como 5ª maior economia do mundoCrescimento baseado em inovação, tecnologia e diplomacia multialinhadaCooperação com África e Golfo mais vantajosa do que com a UE
3.5. Etiópia (antes do conflito interno)Um dos maiores crescimentos mundiais por 15 anos (8-10%)Modelos de parceria com China e Turquia permitiram zonas industriais e exportações massivasEstes exemplos mostram que não depender da UE é possível — e vantajoso.
4. Como Angola Pode Beneficiar com a Diversificação Geoeconómica4.1. Relações com a China: Infraestruturas e Minérios CríticosMaior parceiro de infraestrutura globalTaxas de financiamento mais competitivasTransferência de tecnologia em energia solar, telecomunicações e ferroviasAposta em refinação local de minerais
4.2. Parceria com a ÍndiaCooperar na indústria farmacêuticaTI, fintech, bancos digitais, cibersegurançaInvestimento em energia renovável e agricultura inteligente
4.3. Golfo (EAU, Qatar, Arábia Saudita)Os maiores investidores estrangeiros em África nos últimos 4 anosInteresse em portos, agricultura, turismo, energia e logísticaLinhas de financiamento mais rápidas e flexíveis
4.4. BrasilCooperação histórica e linguísticaCompetência em agroindústria, biocombustíveis e educação técnica
4.5. TurquiaTecnologia militar acessívelConstrução civil e obras públicas rápidasFábricas e zonas industriais de baixo custo
4.6. ASEAN (Indonésia, Vietname, Malásia)Modelos de industrialização acelerada que Angola pode imitarCompetências em têxteis, eletrónica, agroindústria.
5. Como África Pode Reduzir a Dependência da Europa1. Industrialização localSubstituir importações:AgroindústriaTêxteisFertilizantesMateriais de construção
2. Transferência de tecnologiaParcerias com China, Turquia e Índia para:dronestelecomunicaçõesenergias renováveismaquinaria agrícola
3. Nova Diplomacia AfricanaEstratégia de blocos:UA + BRICSAFCFTA (Zona de Comércio Livre Africana)Liga Árabe + ÁfricaParcerias Sul–Sul
4. Financiamento multiviasBancos do GolfoBanco Asiático de Investimento em Infraestruturas (AIIB)Banco dos BRICSFundos Soberanos (EAU, Qatar, Arábia Saudita)
5. Aproveitamento da AFCFTACriar cadeias de valor africanas:mineração + refinação localagricultura + processamentopetróleo + petroquímicaenergia solar + fábricas de componentes.
Conclusão: Angola Pode Liderar a Nova Rota Africana
A Declaração de Luanda é diplomática e equilibrada, mas deixa claro que a relação UA–UE permanece assimétrica e marcada pelo paradigma pós-colonial.A Europa continua a ser um parceiro relevante — mas deixou de ser suficiente.O futuro africano, e em particular o de Angola, passa por:
multialinhamento estratégico, diversificação económica, industrialização interna, cooperação com potências emergentes, menos dependência das instituições europeias.
O mundo mudou e África tem agora a oportunidade de negociar de igual para igual, escolher melhor os seus parceiros e escrever uma nova página de autonomia geopolítica e desenvolvimento económico.