Luanda - Os 25 anos de cooperação entre a União Africana (UA) e a União Europeia (UE) coincidem simbolicamente com as comemorações dos 50 anos de independência de Angola, oferecendo uma oportunidade rara para reflexão estratégica. A realização, em Luanda, da reunião entre os dois blocos nos dias 25 e 26 de Novembro de 2025, não é apenas um evento diplomático; é um momento que convoca uma análise crítica sobre o percurso, os resultados e os desafios que ainda marcam a relação birregional.
Fonte: Club-k.net
Ao longo de duas décadas e meia, a relação UA–UE avançou, mas sempre marcada por desigualdade de poder, dependência financeira e divergências de prioridades. A UE continua a ser o maior parceiro comercial e o principal financiador de programas de desenvolvimento e segurança em África. Contudo, a excessiva orientação europeia das agendas, a burocracia dos mecanismos de financiamento e a tendência de condicionar apoios a reformas internas nem sempre negociadas de forma equilibrada têm alimentado críticas de vários governos africanos, incluindo Angola.
A cooperação foi historicamente dominada por três eixos principais:
Segurança e estabilização regional, com forte foco no combate ao terrorismo e gestão de crises;
Comércio e investimento, onde os Acordos de Parceria Económica (APEs) ainda dividem opiniões;
Desenvolvimento e governação, frequentemente associados a condicionalidades políticas.
Apesar dos avanços, permanece a percepção de que o continente africano tem sido mais um receptor de agendas do que um coprodutor de estratégias. Ao completar 50 anos de independência, Angola encontra-se numa posição de influência diplomática inédita. O país consolidou-se como ator relevante na segurança regional, manutenção da paz e mediação de conflitos.
A escolha de Luanda como sede da cimeira UA–UE não é acidental: sinaliza reconhecimento internacional, mas também responsabilidade. Angola pode aproveitar este momento para reafirmar algumas prioridades africanas: reequilíbrio do quadro de cooperação, defendendo relações menos paternalistas; promoção da industrialização africana, tema frequentemente negligenciado pela UE; valorização dos recursos naturais locais, incluindo minerais estratégicos da transição energética; aposta em parcerias tecnológicas, e não apenas assistência financeira; e centralidade da juventude, considerando a maior população jovem do mundo.
Em termos práticos, a cooperação registou avanços, mas também contradições. Avanços: financiamento de operações de paz (AMISOM/ATMIS, G5 Sahel, etc.); maior diálogo político estruturado; programas de capacitação institucional; expansão de bolsas de estudo e mobilidade académica; aumento do investimento europeu em energia renovável. Limitações: persistência da dependência financeira africana; fraca transferência tecnológica; lentidão no cumprimento de compromissos europeus; falhas na implementação de acordos de comércio justo; incapacidade de reformar profundamente a estrutura produtiva africana.
Em síntese: houve cooperação, mas não houve transformação proporcional.
O que deve mudar nos próximos 25 anos?
A cooperação UA–UE precisa de uma nova arquitetura baseada em parcerias de igual para igual, com forte enfoque na soberania económica africana.
Mudança do paradigma de ajuda para o paradigma de investimento A Europa deve substituir gradualmente a assistência clássica por parcerias industriais, capital de risco, inovação e apoio à economia digital africana.
Segurança baseada no desenvolvimento A cooperação deve ultrapassar a abordagem militarista e enfrentar as causas estruturais de instabilidade: pobreza, desemprego juvenil, desigualdades territoriais e governança frágil.
Cooperação energética estratégica África detém minerais críticos (cobalto, lítio, terras raras) essenciais para a transição energética europeia. A relação futura deve assegurar processamento local dos recursos, participação africana nas cadeias de valor e contratos mais equilibrados.Autonomia estratégica africana A UE deve apoiar — e não temer — uma África mais autônoma, capaz de produzir vacinas, equipamentos, tecnologias e conhecimento científico.
Juventude, educação e mobilidade Com 60% da população africana abaixo dos 25 anos, o futuro da cooperação passa necessariamente pelo investimento maciço em formação técnica, interoperabilidade académica e empreendedorismo jovem.
A reunião em Luanda surge como momento de viragem. Se os dois blocos mantiverem a lógica antiga, a cooperação continuará produtiva, mas limitada. Se assumirem coragem política para reformular papéis, responsabilidades e prioridades, os próximos 25 anos poderão inaugurar uma nova fase: uma parceria verdadeiramente estratégica, capaz de beneficiar simultaneamente uma Europa envelhecida e uma África jovem, dinâmica e com potencial global.
Angola, celebrando os seus 50 anos de independência, está no lugar certo e no momento certo para ajudar a redefinir os termos dessa nova cooperação, defendendo uma voz africana mais firme, mais articulada e mais consciente do seu valor no sistema internacional.